Vida que segue | Por Lola Carvalho, escritora e publicitária

“É difícil lidar com o medo, mas nós temos que seguir a vida. A vida às vezes pode machucar, mas nós temos que aguentar. Você só não pode desistir, senão você já era. A vida sempre tem um lado bom. É só você mostrar o seu valor e não desistir. Você não pode parar de lutar, senão você vai falhar. Vida que segue.

O trecho acima foi escrito pelo meu filho mais velho, Francisco, há uma semana. No auge da quarentena, restrito ao seu quadrado, como ele mesmo diz em tom de brincadeira, sem ver os amigos, sem ver seus professores, sem poder circular livremente pela cidade e cheio de perguntas sem respostas, ele descobriu uma forma de canalizar todos os sentimentos com os quais não sabe lidar e transformou tudo isso em uma música.

Quando ele me mostrou, foi difícil não me emocionar. Me dei conta de que um menino de dez anos estava me ensinando uma grande lição naquele dia. E é sobre esta lição que quero falar.  Estamos vivendo tempos difíceis, é verdade. Se pararmos para pensar, em um período não muito distante, andávamos questionando o apego das pessoas pelo mundo virtual em detrimento do mundo real. Travamos verdadeiras batalhas com nossos filhos para deixarem um pouco o celular, saírem do computador e hoje o que tem trazido um pouco de alento emocional para todos nós é a tecnologia.

Vida que segue.

As chamadas de vídeo viraram parte da rotina. Um fio invisível que nos liga a quem amamos e está longe de nós, mesmo morando na casa ao lado. Ouvir a voz de alguém que amamos ao telefone nunca foi tão importante. Temos falado mais com nossos amigos, nos preocupado ainda mais com nossos pais e irmãos e com pessoas que nem conhecemos. Em meio à pandemia e ao isolamento social, fomos encontrando formas de contornar a falta do contato, usando todas as alternativas possíveis para estarmos conectados.

Vida que segue.

Nossas relações de trabalho ganharam outras formas de fluir, mesmo que os times estejam distantes uns dos outros fisicamente. Aprendemos a organizar a rotina de trabalho mesmo que de pijama o dia todo. Nossos filhos tiveram que se adaptar e organizar seu tempo sem estar na escola e entenderam que mesmo em casa seus pais tinham que trabalhar uma boa parte do tempo. E, da mesma forma, os pais aprenderam que mesmo trabalhando boa parte do tempo, eles podiam arrumar um espaço para dar um pouco de atenção aos filhos.

Vida que segue.

O significado de gratidão tomou proporções cada vez maiores. Percebemos o grande valor das pequenas coisas da vida, como ter saúde, por exemplo. Ou uma cama quentinha para dormir. Ou um trabalho. Ou ter alguém para dividir o sofá conosco. À medida que a quarentena foi avançando, fomos reaprendendo novas formas de fazer a vida seguir o seu curso. Começamos a prestar mais atenção uns nos outros. Paramos para ouvir mais. Aprendemos mais e mais sobre empatia, sobre como o pouco que temos pode ser muito para alguém que não tem nada.

Vida que segue.

E cá estamos nós, nos exibindo com nossas máscaras com estampas diferentes, para variar o nosso novo dress code, em mais um movimento de aceitação desta nova realidade, mesmo que ela tenha um prazo para terminar e tudo voltar ao normal. Na verdade, acredito que nada mais será como antes. Ainda bem! Estamos nos tornando pessoas melhores e isso está acontecendo ao mesmo tempo com as pessoas do mundo todo. Talvez se nos fizessem esta pergunta, não iriamos aceitar. Iríamos preferir ficar onde estávamos. Então, fomos catapultados para a mudança.. Uma mudança forçada e generalizada para melhor.

Vida que segue.

 

Lola Carvalho é publicitária, jornalista e autora do livro “Mãe Sem Limite”.

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