Amor em tempos de COVID-19 | Por Lola Carvalho, escritora e publicitária

“O amor em tempos de cólera” é um romance do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, que conta a história de Florentino e Fermina, que passaram quase 53 anos apaixonados, praticamente sem contato. O relacionamento acontecia por cartas, até que o pai de Fermina descobriu o romance, no momento em que Florentino pedia a amada em casamento. E eles não puderam viver este amor durante muito tempo, até que o destino voltou a aproximá-los.

Foi este romance que inspirou o título da coluna de hoje, em que vou falar do amor em tempos de COVID-19. Nunca havíamos vivido uma situação parecida com esta. Fomos todos pegos de surpresa. Eu mesma, quando saí para a quarentena, tinha em mente que seriam quinze, vinte dias no máximo. No entanto, a quarentena já passa dos cem dias para muitas pessoas e todos nós, de uma forma ou de outra, tivemos que nos reinventar para poder enfrentar este momento tão desafiador, mantendo um pouco de sanidade que ainda nos resta.

Todas as áreas de nossas vidas foram impactadas de alguma forma: relações de trabalho, relações de amizade, relações familiares e, também, relações amorosas. Dentro de casa, a convivência diária sem possibilidade de fuga, pôs uma lente de aumento em muitas questões que acabavam sendo colocadas para debaixo do tapete ou eram amenizadas com algumas saídas com as amigas, partidas de futebol com os amigos, ida ao shopping ou o bendito happy hour com os parceiros na sexta-feira.

O início da quarentena para mim foi como um Big Brother Brasil sem a possibilidade de colocar alguém no paredão. Havia dias em que até a respiração do meu marido me irritava. Foi bem difícil. Sei que o mesmo deve ter acontecido com ele. Havia dias em que nem eu mesma me aguentava, imagina meu marido. Home office misturado com louça para lavar, casa para arrumar, comida para fazer, homeschooling para administrar, crianças com pilha rayovac ultra correndo pela casa. Tudo isso sem poder sair.

Eu acordava de manhã e pensava: hoje nada vai me tirar do sério. Cinco minutos depois, eu já tinha gritado com meio mundo e queria me trancar no banheiro só por cinco minutos para ter um tempinho em silêncio. Não se culpe se você também se sentiu assim. Todos nós precisamos de tempo para lidar com o novo. Ainda mais quando o novo envolve algo tão desconhecido e amedrontador.

Muitos relacionamentos sofreram com a pandemia. Sei de muitos casais que decidiram se separar, pelo menos até a poeira baixar. E continuam separados até hoje. Sei de casais que decidiram passar a quarentena juntos e perceberam que a rotina acabava com a relação. Sei de casais que não conseguiram manter uma relação virtual e decidiram terminar. Mas também sei de casais que se redescobriram. Que se reencontraram e se uniram ainda mais neste período turbulento. Decidiram unir forças para passar por isso juntos. Este foi meu caso, felizmente.

Penso que, em meio a tudo isso, a única alternativa que temos é tentar fazer com que tudo fique um pouco mais leve. Nesta questão, o amor anda de mãos dadas com a empatia. Se colocar no lugar do outro, entender o que o outro está sentindo pode amenizar o peso de não saber nada sobre o que o futuro nos reserva e ajudar nesta convivência por vezes, forçada.

O amor pode ser uma janela maravilhosa e colorida no meio dessa paisagem tão cinza. Estar ao lado de quem amamos nos faz querer olhar para frente, imaginar que existe futuro, fazer planos e imaginar tudo o que vamos fazer juntos quando tudo isso passar. Aqui em casa temos feito tantos planos. Tudo virou “depois do COVID-19”. Depois do COVID-19, vamos viajar para aquela praia que ainda não conhecemos. Depois do COVID-19, vamos comemorar todos os aniversários atrasados. Depois do COVID-19, vamos convidar amigos para vir à nossa casa toda a semana. Depois do COVID-19, vamos conhecer algum lugar novo bem pertinho da nossa casa. Mas quem disse que precisamos esperar o fim do COVID-19 para viver?

Que tal celebrar todos os dias a vida, a saúde, o fato de termos uma cama quentinha para dormir, a alegria de termos alimento em nossa mesa, a possibilidade que temos de ajudar quem precisa. Aqui em casa, a sexta-feira é especial: o jantar é sempre um prato diferente e depois, tem filme em família. O café da manhã nos finais de semana tem panqueca e mel. Os momentos comendo bergamota no sol tem sido únicos e repletos de reflexões, algumas bem engraçadas. Fazer as tarefas em família tem sido uma oportunidade de reaprender o que já tínhamos esquecido.

Nossos filhos continuam crescendo apesar do COVID-19. Continuam falando coisas engraçadas. Seguem fazendo birra para tomar banho e comer brócolis. A vida vai seguindo o seu curso, apesar de tudo isso. E olhar com os olhos do amor, é o que precisamos em tempos de COVID-19.

 

Lola Carvalho é publicitária, jornalista e autora do livro “Mãe Sem Limite”.

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